Havia
flores. Sabia que havia flores, sentia o cheiro colorido das pétalas... Apressou
o passo. Deixou pra trás o cheiro da solidão. Não vacilou, não olhou o caminho
já percorrido. Seguiu em frente. Correu. Ela tinha certeza que lá adiante havia
flores. Olhou obstinadamente para frente. Sorriu. Ah, sabia que além das flores,
sentia o cheiro forte de liberdade. Sim, liberdade tinha cheiro, um cheiro tão
forte que às vezes podia sufocar, mas hoje era um perfume misturado com flores,
com céu, com sol, com felicidade. Era sim, o cheiro da “sua” liberdade.
Caminhava e
quase que por instinto, foi se desfazendo do que a mantinha amarrada ao
passado. Desfez-se da fita preta que prendia seu cabelo em uma trança, que lhe
doía, soltou o cinto de couro largo que apertava sua cintura. Tirou os sapatos
marrons, aliás, sempre usava sapatos marrons... Olhou-os com certa curiosidade
e tirou-os com chutes fortes. Voaram alto e caíram sabe-se lá onde. Foi
deixando pelo caminho os anéis. Na verdade era um só, que usava junto com a
aliança grossa que havia marcado seu dedo profundamente, assim como seu coração.
Sabia que a marca do dedo sairia com o tempo, já a do coração... O vento que
soprou em seu rosto a tirou dos pensamentos e então percebeu que havia parado, continuou,
pensou em olhar para trás, mas resistiu. Levou a mão ao peito e segurou a
corrente com o coração, essa não tiraria, pois esta não a mantinha presa a
nada, aquele coração tinha lembranças que não queria esquecer.
Sentiu o
cabelo esvoaçar. Balançou a cabeça e sorriu novamente. Lá longe, no horizonte,
viu borboletas coloridas brincando e pousando em pequenos arbustos de cores variadas.
Sim, eram flores. Ela sabia, sempre soube. Não fazia sentido se no fim da
estrada não houvesse flores. Não pensava em encontrar borboletas tão bonitas,
mas a vida sempre acaba surpreendendo e, lá estavam as borboletas coloridas
voando, enfeitado o fim da estrada, ou quem sabe o começo, pouco importa. O que
importava de fato é que estavam lá, juntamente com as flores (essas ela sempre
soube que estariam lá).
Certa vez
lhe disseram que era bobagem, que somente ela sonhava com essas coisas. Na
verdade nunca entendeu como existiam pessoas que não sentiam o perfume colorido
delas. Não entendia mesmo. Mas também havia algumas (poucas) pessoas que
olhavam ao longe e lhe diziam até que havia mais amarelas que rosas... Ou mais violetas
que brancas. Ah, essas pessoas é que botavam sorrisos nos lábios dela.
Olhou para o
céu e ele estava azul, azul, muito azul. O sol estava mais fraco, mas ainda
brilhava firme. Havia tempo. Desacelerou o passo e caminhou lentamente e já não
olhava mais somente em frente, seus olhos desceram do céu e observaram as
margens da estrada. Soltou um leve gritinho de surpresa e felicidade. Ali
também havia flores. Eram tantas e tão coloridas. Maravilhou-se. A estrada era longa,
mas seria tão mais prazeroso percorrê-la agora podendo observar os encantos da bela
surpresa que a vida lhe deu. Perguntou-se se sempre estiveram ali, como poderia
nunca ter percebido tamanha beleza e frescor. Então já não tinha pressa. Sentou-se
e ficou por alguns instantes a observar, tamanho era o seu encantamento com o
que tinha diante de seus olhos. Sabia que seguiria a diante, mas já não tinha nenhuma
pressa...