segunda-feira, 17 de março de 2014

Vida II


Gosto da vida assim...
que chega de mansinho
e numa frestinha da gente
faz ninho

Gosto da vida  assim...
que vem
de vagarinho
e mostra 
através da brisa
o seu carinho.

Gosto da vida assim...
que  nos presenteia
o Sol
envolto em luz
que aquece o nosso dia

Gosto da vida
que fecha janelas,
abre portas,
suspira esperança
sacudindo a cortina
por onde passam as lembranças.

Gosto da vida
que te traz  
como quem planta flores no jardim
e faz nascer a cada dia
o melhor em mim.

Gosto da vida assim,
bem assim.

Zana Ol






segunda-feira, 10 de março de 2014

Vestido vermelho


Levantou-se naquele dia mais tarde que de costume. Não tirou a camisola, preferiu ficar como estava, apenas olhou-se no espelho e penteou os cabelos. Detestava os cabelos desarrumados.
Abriu as cortinas. Puxou a cadeira de costume, hesitou, colocou-a no lugar. Passou a mão pela toalha e sentou-se ao lado oposto onde encontrava-se a sua xícara de sempre, a colher, o prato...
Olhou para o lugar que sentara tantas vezes. Hoje não parecia caber nele. Seu lugar não era mais ali... É estranho quando se acorda com a sensação de que já não se é o que pensara ser...
Nada combinava hoje. Na verdade, hoje era um dia estranho.
Olhou ao redor, tudo tão igual. Levantou-se, trocou o vaso de lugar, jogou fora aquelas flores de plástico desbotadas pelo tempo. Foi até o espelho e não se encontrou lá. De quem era aquele rosto? Passou a mão na pele marcada pelo tempo e sentiu uma maciez surpreendentemente gostosa. Hoje aqueles olhos refletidos no espelho tinham um brilho inexplicavelmente feliz e precisavam de algo novo...
Foi até o quarto escolheu o “vestido vermelho” - há quanto tempo não ousava usá-lo, afinal sua filha lhe dissera que não combinava mais com a sua idade- e vestiu-o com um enorme prazer.
Maquiou-se delicadamente, mas ousou no batom vermelho, porque não? Queria usar batom vermelho, então usaria.
Suavemente tirou seus brincos de pérolas e colocou os de rubi, combinavam com seu vestido. Mais uma vez olhou-se no espelho e sorriu. Que mulher bonita viu refletida nele. Num leve impulso beijou-o.
Ah, faltava o xale que trouxera de Portugal em uma viagem que fizera com seu amado há muitos anos atrás.
Pronto, agora era só abrir a porta e ir. Sabia que muito tempo havia passado até que se permitisse ousar ser outra mulher, mas não tinha mais tempo. Agora era a hora.
Então pegou sua bolsa, abriu a porta e antes de sair olhou para trás, viu um lugar estranho, parecia nunca ter estado ali... Lá fora lhe pareceu tão familiar. O sol bateu-lhe na face e então ela sorriu e uma infinita alegria se instalou no seu peito. Agora sim, a mulher que vira no espelho mostraria ao mundo lá fora o brilho do seu olhar, a sua liberdade. Fechou a aporta atrás de si, com a certeza que encontraria outro lugar onde seu vestido vermelho combinasse. Sem hesitar, desceu firmemente as escadas e sem olhar para trás, caminhou em direção ao mundo, à liberdade e a sua vida.

Zana Ol