Contou-me
certa vez um menino, que os seus olhos só viam coisas belas. Nenhuma tristeza
possível lhe parecia feia. Olhava com certa magia e sempre encantava-se com
algo.
O
menino sentou-se ao meu lado, colocou a mão sobre meu joelho e indagou sobre
qual a cor mais feia para mim. Respondi sem pensar: o cinza, a cor da tristeza.
O menino abriu um lindo sorriso e disse-me:
-Você
já pensou que o cinza é uma cor essencial para todos?
Respondi
rapidamente:
-Para
mim, poderia nem existir!
-Como
assim?-insistiu o menino entusiasmado. -O cinza faz parte da vida. Quando o céu
fica cinza, vem chuva. A chuva faz bem pra todos. Água é vida. Logo o cinza é
vida.
-Ah!-soltei
um suspiro e não quis continuar o assunto.
Fiquei
quieta por um instante. Ele apontou pra minha face e disse:
-Esta
aguinha que cai dos teus olhos é vida também. É água. Água é vida.
Enxuguei
a lágrima que insistia em não ficar no olho (que raiva). Por que a tristeza não
ficava guardada lá dentro da gente. Tinha que se manifestar... Tinha que brotar
assim, repentinamente dos olhos da gente...E agora este menino do meu lado,
dizendo que tudo que que se referia a
água era vida....Já estava ficando sem paciência. Disse-lhe:
-Pronto...
A água que caia do meu olho, já não existe mais. Matei a vida!!! Não foi?
O
menino olhou-me meio surpreso, mas com um leve sorriso. Falou-me baixinho:
-Que
bobagem!Ninguém mata uma lágrima!
Senti-me
meio idiota. Resolvi mudar o assunto:
-Então
me diga qual cor você acha mais feia?
O
menino pensou, pensou e respondeu somente quando perguntei novamente:
-A
que eu acho menos bonita é a branca.
Ah,
peguei o danadinho!
-Branco
não é cor. Na verdade é uma ilusão, pois é a mistura de todas as cores!
-Por
isso mesmo! Não saberia escolher uma. Gosto de todas. Então prefiro deixar as
coisas feias, somente na ilusão, porque na vida a gente tem que ter olhos de
beleza. A gente tem que saber olhar. Olhar com a alma e enxergar em algum
cantinho de cada coisa a beleza que está lá.
Olhei
aqueles olhos brilhantes, o sorriso franco e afaguei-lhe a cabeça.
Ele
levantou-se, arrancou uma tímida florzinha que nascera entre o cimento do
canteiro e falou-me:
-Vê
esta flor? Nasceu onde não deveria, nem por isso deixou de ser bela, porém
ninguém observa sua beleza, pois não esta junto das outras no canteiro, mas vês
como ela é forte? Veio enfeitar onde não havia beleza alguma. Que valor tem
esta florzinha pra ti?
Fitei
o menino sem saber o que responder.
-Planta-a
no teu jardim. Se acreditares que ela dará mais flores ela assim te responderá.
Se não acreditares ela perecerá e morrerá e não enfeitará nem teu jardim, nem
mais o cimento onde estava.
Com
um gesto singelo beijou a flor e me deu.
Agradeci
com um sorriso meio sem graça.
Olhei
para aquela florzinha tão frágil e tão forte ao mesmo tempo. Levantei-me
rapidamente. Precisava plantar logo minha flor. Não podia perder tempo. Sabia
que aquela era a primeira de muitas flores que plantaria na minha vida.
Nunca
mais vi o menino de olhos brilhantes, mas quando não estou conseguindo ver a
boniteza da vida em alguns momentos, lembro da sua imagem e então olho meu
jardim e renovo meu olhar e encontro múltiplas beleza em cada cantinho do
caminho que sigo constantemente sem nunca parar.
Zana
Ol