segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A outra...



Porque pensava  ser ela sentada em frente ao espelho? Não....não reconhecia-a naquela pele, naqueles olhos opacos, cansados...Não! Decididamente não olhava para si. Aquela parada em frente ao espelho era uma mulher triste, trazia nos olhos uma  profunda melancolia que doía olhá-la. Quem era aquela figura tão triste à sua frente?Forçava um sorriso, mas seu sorriso  era carregado de uma alegria disfarçada...Não fitava-a nos olhos...desviava-os...Que figura soturna e melancólica apresentava-se diante de si.
Não, não era ela. Era qualquer outra pessoa..., talvez uma mãe que perdera o amor de seus filhos, uma esposa traída, uma mulher com seus desejos insatisfeitos...Não sabia...
Olhou-a com mais cuidado...até lembrava-lhe um pouquinho sim...será? Olhou com mais atenção...Viu a expressão no rosto daquela mulher quando sua filha foi-se embora e nunca mais voltou.Foi viver sua vida longe...muito longe. Sim reconhecia, também havia sentido algo assim...ainda sentia, doía lembrar...sim, tinham alguma coisa em comum.
Observou os olhos baixos e as mãos impacientes sobre o colo, percebeu uma lágrima que rolava até a boca...sim,  também já tinha se visto naquela situação quando achara uma mancha de batom na camisa do marido...havia engolido a lágrima que caíra e esfregou  com tanta força a camisa que chegou a brotar uma gota de sangue da mão direita. É, talvez identificasse aquela lágrima naquela mulher à sua frente.
Por um instante seus olhos se encontraram e ela pode perceber uma insatisfação...desejos não satisfeitos...
Ajeitou o cabelo, alisou a saia, puxou o decote deixando mostrar um pouco do colo ainda atraente.
Olhou atentamente para aquela mulher a sua frente e começou a perceber um pouco de beleza nela. Não era de todo feia. Ainda havia um certo frescor de uma juventude roubada pela vida mesquinha que levava...Sim, observou atentamente, levantou a mão e tocou-lhe o rosto. A pele era macia. Os lábios curvaram-se em um breve sorriso. Ficou bonita assim, com um sorriso no rosto. Desfez o coque e então, caiu-lhe por sobre os ombros os cabelos sedosos, escondidos por anos naquele horrível coque...
Então chegou mais perto e olhou mais profundamente nos olhos daquela mulher, sim...era um lampejo de desejo que correu no olhar rápido lançado sobre ela...Aquela mulher demostrou vontades...Estava viva, e já não mais parecia-lhe tão melancólica. Observou melhor e achou-a atraente. Pegou um batom na gaveta e ofereceu à ela...Sim...estava ficando bonita, encantadora.
Suspirou, levantou-se e olhou novamente para aquela mulher que também a observava. Balançou a cabeça...Como queria parecer-se com ela.
Sobressaltou-se...Estava na hora do almoço e ainda não tinha nem começado a fazê-lo. Rapidamente prendeu seus cabelos no horroroso coque, ajeitou o decote, limpou a boca e foi-se,  deixando ali aquela mulher encantadora que acabou de desvendar-se a sua frente.
Não olhou para trás...não tinha tempo...precisava fazer o almoço. Foi-se...
Zana Ol


Aprendiz



Ando a arder-me por dentro,
Fogo que consome meus pensamentos,
Entrelaça minha paz
E rompe em lamentos.

Ando a correr pensamentos
Que escapam porta a fora,
Saltam ali e mais adiante
Escorregam por entre os dedos.

Ando a passear
Pelo vale encantado
Dos sonhos impossíveis
Onde arqueio meus mais profundos desejos
Encarcerados neste mundo inacessível

Ando a andar...
Recolhendo desejos
Guardando sentimentos
Olhando-me por dentro

Ando assim...
Talvez encontre um jeito
De sair porta a fora
De mim
Largar a velha pele (já tão cansada)
E desvendar um outro mundo,
Um outro caminho,
E descobrir onde ficou
Perdida a tão encantada
Vida...
Ando assim...

Zana Ol