Levantou-se naquele dia mais tarde que de costume. Não tirou
a camisola, preferiu ficar como estava, apenas olhou-se no espelho e penteou os
cabelos. Detestava os cabelos desarrumados.
Abriu as cortinas. Puxou a cadeira de costume, hesitou, colocou-a
no lugar. Passou a mão pela toalha e sentou-se ao lado oposto onde
encontrava-se a sua xícara de sempre, a colher, o prato...
Olhou para o lugar que sentara tantas vezes. Hoje não
parecia caber nele. Seu lugar não era mais ali... É estranho quando se acorda
com a sensação de que já não se é o que pensara ser...
Nada combinava hoje. Na verdade, hoje era um dia estranho.
Olhou ao redor, tudo tão igual. Levantou-se, trocou o vaso
de lugar, jogou fora aquelas flores de plástico desbotadas pelo tempo. Foi até
o espelho e não se encontrou lá. De quem era aquele rosto? Passou a mão na pele
marcada pelo tempo e sentiu uma maciez surpreendentemente gostosa. Hoje aqueles
olhos refletidos no espelho tinham um brilho inexplicavelmente feliz e
precisavam de algo novo...
Foi até o quarto escolheu o “vestido vermelho” - há quanto
tempo não ousava usá-lo, afinal sua filha lhe dissera que não combinava mais
com a sua idade- e vestiu-o com um enorme prazer.
Maquiou-se delicadamente, mas ousou no batom vermelho,
porque não? Queria usar batom vermelho, então usaria.
Suavemente tirou seus brincos de pérolas e colocou os de
rubi, combinavam com seu vestido. Mais uma vez olhou-se no espelho e sorriu. Que
mulher bonita viu refletida nele. Num leve impulso beijou-o.
Ah, faltava o xale que trouxera de Portugal em uma viagem
que fizera com seu amado há muitos anos atrás.
Pronto, agora era só abrir a porta e ir. Sabia que muito
tempo havia passado até que se permitisse ousar ser outra mulher, mas não tinha
mais tempo. Agora era a hora.
Então pegou sua bolsa, abriu a porta e antes de sair olhou
para trás, viu um lugar estranho, parecia nunca ter estado ali... Lá fora lhe
pareceu tão familiar. O sol bateu-lhe na face e então ela sorriu e uma infinita
alegria se instalou no seu peito. Agora sim, a mulher que vira no espelho
mostraria ao mundo lá fora o brilho do seu olhar, a sua liberdade. Fechou a
aporta atrás de si, com a certeza que encontraria outro lugar onde seu vestido
vermelho combinasse. Sem hesitar, desceu firmemente as escadas e sem olhar para
trás, caminhou em direção ao mundo, à liberdade e a sua vida.Zana Ol
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