quinta-feira, 24 de julho de 2014

As dores


Dedo machucado. Dor. Vem uma lágrima, mais uma e então o choro compulsivo. Escuta:
-logo passa, foi nada.
Mas o choro é insistente, rompe-se em soluços. Senta e chora.
-Que é isso menina? Para que tanto choro? Não foi nada... Está doendo tanto assim?
Passa a mão em sua  cabeça e não espera uma resposta. Vai-se com passos rápidos, apressada.
Então o choro se agrava. A dor parece infinita. Tinha vários motivos para chorar. Queria responder que doía muito. Doía a falta de tempo, a mão passada na cabeça como se fosse curar todas as suas dores. Doíam os direitos que  dão e que ao mesmo tempo  tiram tantas coisas, tantas possibilidades.  Doíam  mais que o dedo. Doía  a alma. A sua dor era pelo computador novo que lhe deram para que  ficasse mais tempo quieta na frente dele, assim teriam menos a lhe explicar, menos a conversar, menos a olhá-la como realmente era. Doía-lhe a escola que não a via. Quieta. Boazinha, mas fraquinha. Ouvia sempre isso. Doía a falta de interesse de saberem das suas vontades.
-Ela nunca ri. Deve ser muito tímida.
Ouvia isso com frequência. Ela era aquilo que queriam que fosse. Pronto. Simples.
-Menina para de chorar. Chega. Teu dedo nem ficou vermelho. Levanta, enxuga as lágrimas. Já passou.
Quanto engano. A menina a olhou bem nos olhos e então ela desviou-os dos seus  e saiu mais uma vez apressada. Mas, a menina percebeu, de relance, certa inquietude... Nunca a tinha  olhado nos olhos. Nunca a olhadara daquela forma, afinal tinha tantos alunos e ela era tão quietinha, boazinha...
O choro continuava. A dor era tanta. Ah, o dedo, qual mesmo tinha apertado? Não lembrava, sabia que doía muito. Doía pelo beijo de bom dia da sua mãe e pela pergunta de todos os dias de como fora sua  aula, como se estivesse interessada na resposta. Um dia resolveu não responder mais. Sua mãe nem percebeu. Mas todos os dias continuava, automaticamente ,fazendo a mesma pergunta. Afinal tinha que demonstrar interesse. Nem percebeu que não haviam respostas.
Ah, agora doía mais ainda.
 Resolveram então mexer no seu dado, talvez estivesse quebrado.
-Não, não havia quebrado o dedo, mas porque chorava tanto? Quer chamar a atenção. Vai ver que não que ir pra sala, não fez o tema ou coisa assim...
Que incapacidade. É nisso que as crianças acabam se transformando quando crescem? Em adultos ligados no automático? Com tantas respostas prontas e previsíveis?E pior, nem esperam respostas, como se já as soubessem...
Eles não sabiam que embora o dedo não houvesse quebrado, quebraram-se tantas outras coisas. Quebraram sonhos, possibilidades, afeto, esperança.
Seu choro era por aquilo que talvez nunca saibam sobre ela. Sobre suas dúvidas, medos, desejos. Suas lágrimas eram pela invisibilidade da sua vida de criança. Pela sua infância que está sendo roubada a cada dia. Sua dor é pelo que talvez poderia ser, se suas lágrimas fossem só pela dor no dedo.
Enxugou-as e entrou na sala, afinal era a menina quietinha e tímida.
-Ah, agora sim, entra e senta. Não precisava tanto choro, foi nada.
É talvez o nada tenha sido muito, muito mais do que poderiam entender.
Afinal suas dores, quem as sabe? É, foi nada...

Zana Ol


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