Dedo machucado. Dor. Vem uma lágrima, mais uma e
então o choro compulsivo. Escuta:
-logo passa, foi nada.
Mas o choro é insistente, rompe-se em soluços.
Senta e chora.
-Que é isso menina? Para que tanto choro? Não foi nada...
Está doendo tanto assim?
Passa a mão em sua cabeça e não espera uma resposta. Vai-se com
passos rápidos, apressada.
Então o choro se agrava. A dor parece infinita.
Tinha vários motivos para chorar. Queria responder que doía muito. Doía a falta
de tempo, a mão passada na cabeça como se fosse curar todas as suas dores. Doíam
os direitos que dão e que ao mesmo tempo
tiram tantas coisas, tantas
possibilidades. Doíam mais que o dedo. Doía a alma. A sua dor era pelo computador novo
que lhe deram para que ficasse mais tempo
quieta na frente dele, assim teriam menos a lhe explicar, menos a conversar,
menos a olhá-la como realmente era. Doía-lhe a escola que não a via. Quieta.
Boazinha, mas fraquinha. Ouvia sempre isso. Doía a falta de interesse de
saberem das suas vontades.
-Ela nunca ri. Deve ser muito tímida.
Ouvia isso com frequência. Ela era aquilo que
queriam que fosse. Pronto. Simples.
-Menina para de chorar. Chega. Teu dedo nem ficou
vermelho. Levanta, enxuga as lágrimas. Já passou.
Quanto engano. A menina a olhou bem nos olhos e
então ela desviou-os dos seus e saiu mais
uma vez apressada. Mas, a menina percebeu, de relance, certa inquietude...
Nunca a tinha olhado nos olhos. Nunca a
olhadara daquela forma, afinal tinha tantos alunos e ela era tão quietinha,
boazinha...
O choro continuava. A dor era tanta. Ah, o dedo,
qual mesmo tinha apertado? Não lembrava, sabia que doía muito. Doía pelo beijo
de bom dia da sua mãe e pela pergunta de todos os dias de como fora sua aula, como se estivesse interessada na
resposta. Um dia resolveu não responder mais. Sua mãe nem percebeu. Mas todos
os dias continuava, automaticamente ,fazendo a mesma pergunta. Afinal tinha que
demonstrar interesse. Nem percebeu que não haviam respostas.
Ah, agora doía mais ainda.
Resolveram
então mexer no seu dado, talvez estivesse quebrado.
-Não, não havia quebrado o dedo, mas porque
chorava tanto? Quer chamar a atenção. Vai ver que não que ir pra sala, não fez
o tema ou coisa assim...
Que incapacidade. É nisso que as crianças acabam
se transformando quando crescem? Em adultos ligados no automático? Com tantas
respostas prontas e previsíveis?E pior, nem esperam respostas, como se já as
soubessem...
Eles não sabiam que embora o dedo não houvesse
quebrado, quebraram-se tantas outras coisas. Quebraram sonhos, possibilidades,
afeto, esperança.
Seu choro era por aquilo que talvez nunca saibam
sobre ela. Sobre suas dúvidas, medos, desejos. Suas lágrimas eram pela invisibilidade
da sua vida de criança. Pela sua infância que está sendo roubada a cada dia.
Sua dor é pelo que talvez poderia ser, se suas lágrimas fossem só pela dor no
dedo.
Enxugou-as e entrou na sala, afinal era a menina
quietinha e tímida.
-Ah, agora sim, entra e senta. Não precisava tanto
choro, foi nada.
É talvez o nada tenha sido muito, muito mais do
que poderiam entender.
Afinal suas dores, quem as sabe? É, foi nada...
Zana Ol
Nenhum comentário:
Postar um comentário